domingo, 3 de maio de 2009

Há algo no mundo que nem fera
Feito a fogo e espera
Há algo no todo
Na boca do lobo
do outro
sinais de combate
na lua do corpo
no sangue do jorro
há algo de fera
campo e semente
dragões leão cabra serpente
no ceú não há estorvo
de longe são todos quimera

sapatos de sartre

sonhei com os sapatos de jean paul sartre
esse é um sonho recorrente
não eram verdadeiramente seus sapatos
mas alguma coisa neles o inscrevia
alguma coisa neles me dizia
leia suas páginas
eram sapatos tom sépia
eram sapatos cor de história
pareciam novos
tinham alguma coisa forjada – da memória – manuscrita
eram pequenos e fechados
e olhando muito rapidamente talvez nem fossem confortáveis
não estavam para ser
estavam ali para serem calçados
e eles me diziam – escolha
não é confortável mesmo
inscreva seu rumo e faça a leitura
eles tinham uma cor amarelada
não eram velhos - eram nobres e tinham prumo
e uma inscrição que eu não puder ler
mas eles me diziam - segue
no caminho vai doer - não os abandonem por isso
a leitura está no fim da estrada

terça-feira, 21 de abril de 2009

incendiário

Não posso imaginar quantas pessoas te chutaram quando já estava no chão. Talvez alguém o levasse flores enquanto ainda olhava para os óculos que se quebravam. Talvez nem procurasse lentes novas, enquanto ainda juntava pedaços de outrora. Nem toda a palavra é o que se diz, mas quase sempre o que se escuta. Pena não termos o ouvido do outro quando ainda falamos. Pena não atingirmos apenas o que queremos, enquanto o entorno se rompe. Porque o limite é muito sutil e ele migra entre nós, no espaço que ninguém consegue tocar já que faz parte de uma substância permeável, solúvel, descontínua. O limite é o que não se pode tocar, que foge de si mesmo, que esbarra no outro, que descansa sobre a própria cabeça no ínterim do deslocamento. O corpo que se desloca, meio cheio, meio vazio é um nada pronto a ser preenchido por que tudo pode doer, se for de encontro à célula. O que se espalha é o choque, o odor, ondas, peso e humor. Escorre no passante, no desavisado. Não,... o calor é do passado, não o faça artífice de suas artimanhas. Mas não é possível ignorar o acumulado e serve-se de corpos amontoados, tocados. Eles nem podem prever a dor em seus encalços. Mas se estão por perto, agora lhes pertencem. Somos todos responsáveis pela angústia alheia - tanto quantos o são na que carregamos agora. Híbridos mentais, psicossociais, queimam os seres na própria companhia quando ainda buscam dissipar o mal fadado incêndio - até a pouco, ignorado, latente, potencialmente articulado - fogo em espera.