sábado, 7 de maio de 2011

o dia passa rápido sob o céu azul que cintila
carros correm mais aos olhos da janela
no sussuro
à distância
escuto boca lábios carmim
mulher menina vizinha
reconheço os habitantes da cidade
navegadores perdidos e náufragos
partilham caminhos

ao deitar da tarde
no ruído de vento
tudo deságua no mar
onde ainda habitam velhos marinheiros
onde serenam peixes homens e amantes

o mundo é cheio e o silêncio fala o bastante
ao amor
falta linguagem
escapa o verbo no arroubamento do instante
e no gozo de outra ordem - metáfora
se indizível deve
ao inexplicável faço morada
no corpo em transe repousa olhar
que ao querer dizer se cala
enquanto pede colo
em coma anestesia
cogito
respiro e penso que existo
os dedos correm trêmulos
entre frestas
o gosto do gozo ainda fresco em festa
celebra

a vida corre em veios
doces seios - seus
flor da aurora
que se abre madrugada afora
pele
boca
falo e memória

a vida entorpecida
corre em glória
o preço não tem preço
não há de se haver outro momento
senão esse
senão nosso
íntimo
leve
forte
vermelho
existe um rochedo
fica no cume - alto
donde a vista
nem sempre alcança
pra quem olha de baixo
quem olha de cima
e outros olhares diversos em ângulos retos
que se perdem na distância

existe um rochedo
nele uma rachadura
que o cinde em dois

o velho sísifo veria
antes subir
que entre ficar em vãos
melhor rolar a pedra
à chance de não erguê-la – fato

cada um que reconheça o próprio peso
e ainda que se esforce
e pese a pedra duradoura sobre as costas
é melhor que a inércia - a inépcia
ou qualquer outro tipo de mumificação

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Para Zaratustra

retorno
para que a criança seja
mais uma vez certeza e engano
e ao viver ao lado do abismo
possa ver de perto a montanha
repito
coincidências
quando tenho medo – danço
não se pode ganhar um guerra
sem antes lutar
deixei que me vissem fraca
desarmada
infeliz em vômitos e convulsões para que me vissem humana
penso mesmo que os deuses não me esperam
faço –me deus então na boca da quimera
e como tantas bruxas que queimaram
eu mesma acendo o fogo da fogueira
e ardo têmporas publicamente
feliz em sonhos e confissões para que me vejam humana
como bruxa ou criança que aprendeu a dançar - livremente
preciso ser poeta
mais do que gente
mais que vida
preciso ser letra
ser signo e significante
mais que viver
preciso permitir que a vida se imponha
e me arrefeça
da frieza cotidiana
do medo de ser eu
da distância que me imprimo
da faca que espeta o peito logo que me levanto
quando mato meus sonhos para viver os seus
deixem-me ser poeta e gritar metáforas ao vento
todas as vezes que me disserem - tempo
todas as vezes que eu acordar sozinha
todos os dias em que nada pode ser o mesmo
em que meus olhos não foram espelhos
nem se conformarem com textos contritos
ou frases de efeito
ou gestos previstos

deixem-me viver poeta
pra que o outro não morra
todo curso tem um rio
todo susto tem um medo
todo medo tem o sono
todo sono tem um sonho
ou um sonho
ou pesadelo

não há como saber
se não mergulhar
há no encontro
algo de previsível
e o contato
ainda que inesperado
guarda um fato – intencional

olhos que devoram almas
pernas que se lançam
em saltos geométricos
bocas que tremulam
senhas indecifráveis
mãos que circundam
simbologia rasa

encontros são desapegos
quando suscitariam calma
percursos ao acaso
promessas ou carma
no tabuleiro cotidiano
Não há amor no sangue que vaza
se líquido é corpo
amor - translúcido seria
e não dor e histeria
transplante
enxerto
ou anomalia