terça-feira, 21 de abril de 2009

incendiário

Não posso imaginar quantas pessoas te chutaram quando já estava no chão. Talvez alguém o levasse flores enquanto ainda olhava para os óculos que se quebravam. Talvez nem procurasse lentes novas, enquanto ainda juntava pedaços de outrora. Nem toda a palavra é o que se diz, mas quase sempre o que se escuta. Pena não termos o ouvido do outro quando ainda falamos. Pena não atingirmos apenas o que queremos, enquanto o entorno se rompe. Porque o limite é muito sutil e ele migra entre nós, no espaço que ninguém consegue tocar já que faz parte de uma substância permeável, solúvel, descontínua. O limite é o que não se pode tocar, que foge de si mesmo, que esbarra no outro, que descansa sobre a própria cabeça no ínterim do deslocamento. O corpo que se desloca, meio cheio, meio vazio é um nada pronto a ser preenchido por que tudo pode doer, se for de encontro à célula. O que se espalha é o choque, o odor, ondas, peso e humor. Escorre no passante, no desavisado. Não,... o calor é do passado, não o faça artífice de suas artimanhas. Mas não é possível ignorar o acumulado e serve-se de corpos amontoados, tocados. Eles nem podem prever a dor em seus encalços. Mas se estão por perto, agora lhes pertencem. Somos todos responsáveis pela angústia alheia - tanto quantos o são na que carregamos agora. Híbridos mentais, psicossociais, queimam os seres na própria companhia quando ainda buscam dissipar o mal fadado incêndio - até a pouco, ignorado, latente, potencialmente articulado - fogo em espera.